quarta-feira, 22 de agosto de 2012

menino colorido


Para Saulo, que sempre coloria minhas tardes de sexta-feira

Seus passos largos, sempre que passava na rua sentava-me na janelinha da varanda de casa, com papel e caneta, e observava. Todos os dias era o mesmo caminho. Passava pela rua dos mouros, descia a pracinha, o cemitério e o atelier de dona Flor. Seus cachos, castanho claro, caíam sob seus óculos verde e vermelho. Gostava de suas cores. Sempre com uma cor diferente, em cada parte do corpo.
Certa vez, passou com uma blusa lilás, a calça amarelinha – clara – o tênis, quadriculado, com muitas cores. Mas o que mais me intrigava, eram seus olhos – escuros. Quando passava pelo atelier da dona Flor, o perdia de vista. E logo mainha chamava para ajudar na casa. N’outro dia, às 17 horas, sempre às 17 horas, estava lá, de passos largos, passando por minha janela. E eu sentava. E observava...
 Uma tarde, com seus passos mais pesados, corri para ver quais tonalidades ele usava, quais misturas teria feito. Qual cor pesaria seus passos. Mas quando me aproximei da janela, o susto. Seu tênis era cinza. Sua calça era cinza. Sua blusa era cinza. Apenas seus óculos continuavam verde e vermelho.
 Assustei-me. Havia anos que o observava. Nunca, nem um dia sequer usou roupas que não fossem coloridas.
 Estava decidida. Vou segui-lo! Nem avisei a mainha, e saí caminhando atrás dele. Seus passos pesados pareciam mais rápidos. Pareciam ter pressa. Pareciam não pensar o caminho, como já guiados, acostumados com o caminho por tantos anos percorridos, desfilando as cores que essa cidadezinha não tinha.
 Corria para seguir seus passos. Para matar minha curiosidade de observadora, sempre tão fiel a seus passos. Às suas cores.
Descemos a rua dos mouros, a pracinha, o cemitério e o atelier de dona Flor. Era uma rua sem saída. Havia um portão, preto, de ferro. Um largo barulho se fez, ele abriu o portão, tirou uma arma, sentou no asfalto, já frio do anoitecer, e com um tiro na cabeça, padeceu sob o asfalto – com os olhos coloridos.

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