Para Saulo, que sempre
coloria minhas tardes de sexta-feira
Seus passos largos, sempre que
passava na rua sentava-me na janelinha da varanda de casa, com papel e caneta,
e observava. Todos os dias era o mesmo caminho. Passava pela rua dos mouros,
descia a pracinha, o cemitério e o atelier de dona Flor. Seus cachos, castanho
claro, caíam sob seus óculos verde e vermelho. Gostava de suas cores. Sempre
com uma cor diferente, em cada parte do corpo.
Certa vez, passou com uma blusa
lilás, a calça amarelinha – clara – o tênis, quadriculado, com muitas cores.
Mas o que mais me intrigava, eram seus olhos – escuros. Quando passava pelo
atelier da dona Flor, o perdia de vista. E logo mainha chamava para ajudar na
casa. N’outro dia, às 17 horas, sempre às 17 horas, estava lá, de passos
largos, passando por minha janela. E eu sentava. E observava...
Uma tarde, com seus passos mais pesados, corri
para ver quais tonalidades ele usava, quais misturas teria feito. Qual cor
pesaria seus passos. Mas quando me aproximei da janela, o susto. Seu tênis era
cinza. Sua calça era cinza. Sua blusa era cinza. Apenas seus óculos continuavam
verde e vermelho.
Assustei-me. Havia anos que o observava.
Nunca, nem um dia sequer usou roupas que não fossem coloridas.
Estava decidida. Vou segui-lo! Nem avisei a
mainha, e saí caminhando atrás dele. Seus passos pesados pareciam mais rápidos.
Pareciam ter pressa. Pareciam não pensar o caminho, como já guiados,
acostumados com o caminho por tantos anos percorridos, desfilando as cores que
essa cidadezinha não tinha.
Corria para seguir seus passos. Para matar
minha curiosidade de observadora, sempre tão fiel a seus passos. Às suas cores.
Descemos a rua dos mouros, a
pracinha, o cemitério e o atelier de dona Flor. Era uma rua sem saída. Havia um
portão, preto, de ferro. Um largo barulho se fez, ele abriu o portão, tirou uma
arma, sentou no asfalto, já frio do anoitecer, e com um tiro na cabeça, padeceu
sob o asfalto – com os olhos coloridos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário